‘MANÍACO DO PARQUE’ CRIA HEROÍNA FICTÍCIA PARA TER UMA MULHER ‘NO MESMO PATAMAR’ QUE O SERIAL KILLER, DIZ SILVERO PEREIRA

Foto: Divulgação
0

Em entrevista ao g1, ator fala sobre mistura de ficção e realidade em filme sobre assassino condenado por matar sete mulheres e estuprar outras nove em 1998, que estreia nesta sexta (18).

O filme “Maníaco do Parque” reconta — com a ajuda de uma heroína fictícia — a história real do serial killer brasileiro que foi condenado pela morte de sete vítimas e o estupro de outras nove em 1998 . A ideia era dar a uma mulher o “mesmo patamar” de protagonismo que o do assassino na cinebiografia.

Silvero Pereira, ator celebrado pelo papel do fora da lei Lunga em “Bacurau” (2019), interpreta o personagem do título na produção que estreia nesta sexta-feira (18) na plataforma Prime Vídeo. Para ele, a criação da repórter novata Elena (Giovanna Grigio) ajuda a unificar uma série de pontos importantes para contextualização da época, que tinha uma sociedade mais misógina.

“Havia uma dificuldade imensa de se ouvir as mulheres quando elas iam relatar sobre essas questões. Havia também uma preocupação de não revitimizar essa história das vítimas e dos familiares, para que a gente de alguma maneira construísse uma reparação em cima disso”, diz ele em entrevista ao g1.

“O roteiro tentou aglomerar todas essas outras funções em uma única personagem para que de alguma maneira a gente tivesse uma uma compreensão maior sobre como era a sociedade naquela época, no mercado de trabalho, no dia a dia, e de como as mulheres eram tratadas a partir do ponto de vista da Elena.”

“Ela dá uma força de contar essa história como protagonista, como alguém que de fato está ali no mesmo patamar que o Francisco, também construindo uma história que é importante de ser ouvida.”

Na conversa, o ator falou sobre seu processo para construir o personagem baseado no assassino real, como proteger o lado psicológico no processo, sua “cara de quem matava alguém” e o desejo de interpretar um vilão de novela.

Assista ao trailer de ‘Maníaco do Parque’ clicando no link abaixo;

https://g1.globo.com/pop-arte/cinema/video/assista-ao-trailer-de-maniaco-do-parque-13022683.ghtml

G1 – Em uma entrevista, você diz que foi convidado para esse papel. O que você acha que viram em você para isso? Rola alguma preocupação do tipo: “Nossa, pensaram em mim para esse personagem”?

Silvero Pereira – Então, eu fiquei muito feliz com o convite, porque eu já vinha lutando um pouco com o mercado em um movimento de que eu, enquanto ator, não preciso ser sempre escalado para personagens que sejam ou do Nordeste ou que tenham a ver com a minha sexualidade e com a minha militância — que eu acho que tem questões muito importantes.

Então, o convite foi uma surpresa muito grande para mim, exatamente porque é o primeiro convite que diretamente me chama para fazer um protagonista de um projeto que não me enquadra em nenhuma dessas duas coisas.

Ou seja fortaleceria ainda mais a minha busca dentro do mercado audiovisual para mostrar potência como ator, sobre as possibilidades que eu tenho para oferecer no meu trabalho.

E aí, tem uma outra coisa curiosa também e divertida, porque eu lembro que, quando fiz o “Bacurau”, eu falava também sobre isso. O Kleber (Mendonça Filho) disse que optou por mim para o Lunga, porque eu tinha cara de quem matava alguém (risos).

Aí, eu falei: “Ah, que bom, Kleber. Então, quer dizer que eu fiz um teste e você tomou essa decisão só por isso”. E ele disse que estava brincando.

Então, isso na época do convite me veio à tona. Lembrei mais uma vez. Ah, será que mais uma vez enxergaram isso no Silvero (risos).

Silvero Pereira em cena de ‘Bacurau’ — Foto: Divulgação

G1 – Bom, e o Lunga ficou marcado na história do cinema brasileiro como um dos grandes personagens marcantes, e dá pra entender como o Maníaco do Parque tem um potencial também. Você já falou como foi a construção desse personagem, mas como foi o impacto psicológico de interpretar essa pessoa que a gente nunca conseguiu entender completamente? Você é desse tipo de ator que se envolve completamente ou consegue deixar mais separado?

Silvero Pereira – Eu super sou de acordo com o processo criativo individual. Acho que cada ator tem a sua maneira de criar, de desenvolver, de decorar um texto, de construir um personagem, e eu me atenho muito aos materiais que estão ali disponíveis.

Então, eu tinha esse roteiro que contava um pouco dessa história também nesse lugar do ficcional. Porque a gente está falando aqui de uma história baseada na história real, né?

Principalmente porque o próprio roteiro é meio a meio. Você tem o Francisco como um personagem principal e você tem a Elena Peregrino como também uma personagem principal — sendo que a Elena é uma personagem fictícia.

Então, quando o roteiro me oferece esse ficcional e o real juntos, me dá a oportunidade de construir um personagem que também tem um pouco desse viés.

A gente sabe do que aconteceu, do que foi relatado nos autos do processo, ou do que a gente acompanhou na mídia da época, mas toda questão das violências, da intimidade, tudo isso que tem em volta do Francisco, é algo que a sociedade tem enquanto imaginação.

É o que as pessoas imaginam que esse cara é. As pessoas também criaram uma interpretação, criaram uma imagem dessa figura do Francisco.

Então, eu fui em busca dessas dessas pontos técnicos. Enquanto uma pessoa que gosta de true crime, que é muito fã do do gênero, a minha primeira preocupação era em busca do maneirismo, porque quem gosta de true crime busca no personagem construído os maneirismos mais próximos o possível do personagem real ao ver um filme.

Por isso, eu me ative muito à questão do sotaque, do comportamento, das entonações que ele fazia nas entrevistas que ele realizava, do olhar, principalmente, e da coluna. Esses eram os pontos técnicos chave que me faziam acessar o personagem Francisco.

Para além disso, tinha também a construção de três camadas dentro de um único personagem. A gente tem o Francisco — o motoboy de extrema disciplina e um filho super querido pela mãe. Tem o Chico Estrela, que é um personagem super admirado pelos patinadores do (Parque do) Ibirapuera, porque era um dos maiores patinadores da época. E tem o Maníaco do Parque, que é esse monstro nessa imagem monstruosa que a sociedade tem desse cara.

Eu tinha a função de construir três personagens dentro de um só e como fazer essas nuances acontecerem através do olhar, que foi uma das coisas que eu mais identifiquei nas entrevistas do Francisco em vídeo e em áudio.

Como ele mudava um pouco a estrutura a forma de falar na entonação e o olhar quando ele se referia a determinados assuntos, sobre o prazer que ele tinha de falar da patinação, da família, e de como ele mudava um pouco quando ele se referia às tragédias.

G1 – Mas e na sua cabeça, como é que ficava isso? Como é que era você conseguia se desligar disso no final do dia?

Silvero Pereira – A gente teve uma uma equipe muito eficiente nessa questão de cuidar do nosso trabalho enquanto artista, né? Antes de iniciar o projeto a gente teve muito diálogo com a preparadora de elenco, que é a Larissa Bracher, e também a gente tinha uma assessoria de psicóloga. Sempre que a gente quiser se acessar ela estava disponível.

Primeiro, ela fez uma palestra com a gente sobre diversas questões que envolvem trabalho e emocional, pessoal e e profissional. Então, a gente teve primeiro esse envolvimento para que entendesse um mecanismo de se desligar totalmente do que a gente estava construindo.

Então, eu consegui, dentro desse processo, realmente não me envolver emocionalmente. E esse personagem só era acionado durante os momentos de set de gravação. Lá tinha a construção dessa atmosfera para que de fato adentrasse nesse universo e conseguisse imprimir na tela, porque a minha função em contato é convencer o espectador daquilo da cena na qual estou.

Mas aí, quando encerrava, quando cortava a câmera, a gente voltava para nossa vida normalmente. A gente contava piada, a gente saía para uma para uma noite, a gente saía para beber, para conversar, para dançar. Enfim, para realmente se distanciar completamente desse universo.

G1 – E em relação a essa parte fictícia da história. Como foi a decisão de tomar esse rumo? Confesso que não sabia quando assisti ao filme e fiquei meio confuso. Precisei pesquisar depois o que era real. Vocês conversaram sobre isso?

Silvero Pereira – A gente chegou a falar sobre o roteiro, principalmente na primeira leitura a gente tinha muita consciência de que ele tentava juntar todas essas outras questões que envolviam a história do Francisco, que não fazem parte do protagonismo do Francisco e sim de outras pessoas que estavam envolvidas.

Por exemplo, como a imprensa da época tratou essa questão, ou como as mulheres ficaram amedrontadas — e eu não estou falando só das sobreviventes, ou das famílias das vítimas, estou falando das mulheres em geral da nossa sociedade — e desse confronto em uma sociedade que tinha uma imprensa no final de 1980 para 1990 muito mais machista e misógena do que o que a gente tem hoje.

Então, havia uma dificuldade imensa de se ouvir as mulheres quando elas iam relatar sobre essas questões. Havia também uma preocupação de não revitimizar essa história das vítimas e dos familiares, para que a gente de alguma maneira construísse uma reparação em cima disso.

O roteiro tentou aglomerar todas essas outras funções em uma única personagem para que de alguma maneira a gente tivesse uma uma compreensão maior sobre como era a sociedade naquela época, no mercado de trabalho, no dia a dia, e de como as mulheres eram tratadas a partir do ponto de vista da Elena.

Ela dá uma força de contar essa história como protagonista, como alguém que de fato está ali no mesmo patamar que o Francisco, também construindo uma história que é importante de ser ouvida.

G1 – Nesse processo da ficcionalização, sinto que algumas coisas notórias do caso ficaram de fora. Lembro que teve aquele relato da gótica que supostamente teria mordido o Francisco na adolescência. Como foram essas escolhas?

Silvero Pereira – Não, eu tenho uma coisa da minha construção. Eu sou muito respeitoso com o roteiro. O roteiro estava construído, então a minha função enquanto ator é executar esse roteiro.

As conversas que eu tive com o (roteirista) L. G. Baião eram muito mais para entender o quais eram os mecanismos que ele queria usar para contar toda essa história.

Aí, eu passo a utilizar o meu trabalho assim com essas outras questões, essas subjetividades, ou outras informações que eu fui tendo. porque eu tive acesso a materiais — por exemplo, de entrevistas — que não estão públicos nos autos do processo.

Outros que a gente teve acesso por conta do processo, do filme, do documentário e do podcast que vão ser lançados logo. A gente teve muito material que não está público e que só vai ser exposto a partir dessas outras peças, esses outros braços aí do projeto além do filme.

G1 – E eu estava vendo que você falou que uma das vontades que você ainda tem na sua carreira é a de interpretar um vilão de novela. Vocês já encara isso quase como uma parte do caminho ali pra chegar nessa próxima etapa é ou é uma coisa completamente diferente?

Silvero Pereira – Eu acho bem mais diferente. O que me interessa nos vilões da teledramaturgia é que eles são um pouco mais jocosos, um pouco mais divertidos. Por isso, que os vilões inclusive têm muito mais fama do que os próprios bonzinhos das novelas.

As pessoas se apaixonam mais pelos vilões do que pelos mocinhos e as mocinhas, porque são personagens tão caricatos dentro da nossa sociedade que a gente tem, de alguma maneira, um prazer ao assisti-los.

Por isso que eu digo assim: “Ah, mas você acabou de fazer um vilão. Como é que você quer dizer que você quer fazer no vilão?”. Porque são gêneros completamente diferentes.

E eu tenho um prazer em fazer um filme como esse, não pelo personagem em si, mas de executar o meu ofício. Mas aí, o outro prazer que eu tenho em fazer uma teledramaturgia, é que com certeza eu ficaria muito mais leve no set construindo um vilão de novela, por conta dessas aberturas que esse personagem dá pra gente de ser um pouco mais cômico.

Eu acho que realmente os personagens mais mais emblemáticos da teledramaturgia brasileira são os vilões. Então a gente vai falar aqui do Félix, a gente vai falar de Nazaré, a gente vai falar de Odete Roitman, a gente vai falar enfim da Bia Falcão.

FONTE: g1

Deixe uma resposta

Seu endereço de email não será publicado.