SAÚDE MENTAL: 40% DOS MÉDICOS SOFREM COM DEPRESSÃO, ANSIEDADE E BURNOUT NO NORDESTE
Levantamento da Afya mostrou que há mais incidência entre profissionais jovens e mulheres
Longas jornadas de trabalho, rotina estressante, carência de insumos básicos e falta de tempo para estar com a família ou praticar atividade física. Esses são só alguns dos aspectos de um cenário que preocupa profissionais de saúde justamente por envolver a própria categoria – no caso, médicas e médicos.
Quase 40% dos médicos que atuam na região Nordeste têm algum quadro de doença mental. O dado faz parte da nova pesquisa Qualidade de Vida do Médico, produzida pelo Research & Innovation Center da Afya, ecossistema
de educação
e tecnologia em medicina no Brasil que está presente em Salvador, Vitória da Conquista, Itabuna e Guanambi. Os resultados regionais foram obtidos com exclusividade pelo CORREIO.
No Brasil, o estudo mostrou que o percentual é ainda maior: 45% dos médicos tiveram algum diagnóstico de transtorno mental. No entanto, os pesquisadores acreditam que isso não quer dizer que os profissionais do Nordeste sejam menos afetados. Uma das hipóteses, segundo o diretor do Research Center da Afya, Eduardo Moura, é de que os médicos aqui procurem menos atendimento – e, portanto, não têm diagnósticos conhecidos ou confirmados.
“Quando a gente analisa também os médicos que procuram atendimento, a gente vê que é menor no Nordeste. Por isso, diria que talvez esteja tendo uma procura menor na região”, diz ele, que é médico e doutorando na Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas.
Na amostra nacional, 22,3% dos médicos têm diagnóstico de depressão, por exemplo, e fazem tratamento com especialista. Entre os nordestinos, são apenas 15% com acompanhamento ativo. Na região, 42% dos profissionais dizem nunca ter tido sintoma de depressão. Situações parecidas ocorrem com transtorno de ansiedade e o burnout (que, ainda que não seja uma doença, é um quadro de adoecimento pela rotina no trabalho). No Nordeste, 48% afirmaram nunca ter apresentado sintomas de burnout.
Outra razão para a hipótese dos pesquisadores é com relação à qualidade de vida. No Brasil, 36% estão muito satisfeitos com sua saúde, enquanto no Nordeste isso cai um pouco. Eles relatam a pior qualidade de vida. Por isso, reforça a hipótese de que estão buscando menos ajuda ou podem ter uma resistência maior. “É um fator alarmante que mostra que precisa mudar a cultura instaurada na Medicina de que tem que trabalhar o tempo inteiro”, pondera.
O
Conselho
Regional de Medicina da Bahia (Cremeb) informou que não tem dados precisos sobre o acometimento das doenças mentais entre os médicos, mas admitiu que os casos têm surgido. Segundo a entidade, tanto o Cremeb juntamente com o Conselho Federal de Medicina (CFM) têm promovido encontros para debater temas e assuntos relativos à saúde mental da categoria.
“Uma das questões mais prementes são as más condições de trabalho a que os médicos estão submetidos. O excesso de carga laboral é um dos pontos a ser considerado no aparecimento das doenças mentais”, diz o presidente da entidade, Otávio Marambaia.
Condições
De fato, o estudo da Afya identificou que a rotina de trabalho tem os principais estressores, além de uma contribuição recorrente para o adoecimento. Os relatos são de longas jornadas de trabalho, falta de recursos e remuneração insuficiente. Segundo Eduardo Moura, isso vem desde a pandemia da covid-19.
Mas o percentual agora, que é 13% maior do que a pesquisa mostrou no ano passado, no contexto nacional, retorna ao que foi registrado imediatamente no pós-pandemia. “A saúde mental é a ponta do iceberg. É o final de uma série de problemas de saúde que não foram tratados, como não fazer atividade física, não ter um sono constante e uma rotina de trabalho saudável”, acrescenta Moura.
O presidente do Cremeb, Otávio Marambaia, destaca que, muitas vezes, isso se soma à resiliência dos profissionais, que tentam resolver os problemas dos pacientes superando eventuais dificuldades encontradas. No entanto, a recomendação de Marambaia é que as más condições de trabalho devem ser denunciadas aos gestores e à entidade médica.
“Na Bahia, nós estamos promovendo, já há alguns anos, incentivo para que os médicos informem ao Conselho essas dificuldades nos seus locais de trabalho. Essas dificuldades transcendem às condições físicas e atingem as questões de insegurança jurídica nos contratos de trabalho, atrasos de salários e até mesmo calote. Ou seja: o médico trabalha muito, se estressa e, junto a isso, pode não receber sua remuneração”, alerta.
Grupos
A pesquisa identificou, ainda, que alguns grupos registraram maior incidência de doenças mentais: mulheres e jovens. Mulheres, por exemplo, são mais frequentes em todas as etapas da doença. Elas são maioria entre as que têm um diagnóstico e fazem tratamento (25,1%, contra 18,2% dos homens).
Na avaliação de Eduardo Moura, da Afya, historicamente, mulheres buscam mais ajuda e mais acesso à saúde. No meio médico, isso não seria diferente. Entre os homens, muitos recorrem a um profissional e a um tratamento de forma tardia, quando o quadro já é mais grave. “Outro ponto é a questão da dupla jornada das mulheres, que é bem discutida. Muitas dessas mulheres têm que ter rotina como médicas e mães de família”.
De acordo com o presidente do Cremeb, a realidade das médicas têm preocupado a entidade. Para ele, a dupla jornada também tem um peso na saúde mental. “Há também a crescente onda de violência nos locais de trabalho, impactando no seu desempenho”, diz.
Pensando nesse e outros temas, o conselho promove o 1º Fórum Cremeb Mulher na próxima sexta-feira (3). Segundo Marambaia, o evento deve incluir questões sobre o protagonismo feminino na Medicina, uma vez que as mulheres já são mais da metade dos médicos.
Já os médicos mais jovens podem ser afetados pelo próprio mercado. “Eles pegam os pontos de trabalho menos desejados ou mais vulneráveis do ponto de vista de remuneração, com menos disponibilidade de trabalho. Ele é o menos favorecido na cadeia de trabalho”, pontua Eduardo Moura, da Afya. Além disso, os jovens são mais abertos a buscar ajuda.
O presidente do Cremeb, por sua vez, pontua que há consequências também de uma má formação ou formação inadequada, que coloca jovens profissionais despreparados diante de excesso de trabalho e más condições de atuação. “Isso impacta, sem dúvida nenhuma, no aparecimento de consequências danosas à saúde mental com a manifestação de sintomas do burnout, depressão e outras doenças relativas à saúde mental”, conclui Otávio Marambaia.
FONTE: correio24horas